sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Múltipla-escolha

Ela o abraçou como se você fosse dela.
Por quê?

( ) Ela se sentiu à vontade como se o conhecesse há muito tempo.
( ) Ela se sentiu atraída embora não tivesse se dado conta.
( ) Por nada. Ela é assim mesmo com todo mundo.
( ) Ela estava bêbada.
( ) Você contou um história bonitinha e ela se emocionou.
( ) Ela nem tinha se dado conta de que você estaria nesse encontro e quando o viu
pensou: MEU DEUS, QUEM É ESSE? Ficou surpresa com você na verdade.
( ) Você a tocou várias vezes antes e pronto: ela se derreteu.
( ) Foi espontâneo: como um “pressentimento” infantil de que você faria parte da vida
dela.
( ) Na verdade, ela estava com uma louca vontade de beijar você mas não podia.
Então só se aproximou o máááááááááximo permitido num encontro como aquele.
( ) Aff... Óbvio: ela estava esperando você faz tempo e não sabia.
( ) Todas as respostas anteriores e mais outras tantas que ela poderia escrever.
( ) Ela sabe ou pensa que sabe e não quer dizer.
( ) Nenhuma das respostas anteriores: é inexplicável! Vocês nunca vão saber.

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Incorporada

Ah, Gabriel, mas então agora acho que vou evitar falar com você. Não falar parece que mantém a coisa num nível mais platônico: afasta-se um pouco (muito pouco, mas já é uma ajuda) da fogueira. (E eu já me queimei tantoooo nessa fogueira: o fogo vem dos corpos tomados ou das entranhas?) Ouvir a voz já é mais difícil: querer estar junto e não poder, querer estar em cima e não poder, querer estar embaixo e não poder, querer estar dentro e não poder, querer estar do avesso e não poder, querer estar nas veias e não poder, querer estar misturado e não poder. Ainda mais numa tarde tão convidativa, um pouco de sol entrando pelas frestas da janela e você entrando pelas frestas de mim. Daí fico pensando: como seria? Como seria?
Acho que seria assim – um pouco como eu estou hoje: um possuir e pertencer emocionado, denso, dolorido e profundo. No começo iria pedir lentidão e intensidade (isso é possível?) para poder guardar para sempre cada milímetro de nós dois em comum: cada textura, cada tremor, cada respiração, cada palavra dita sem dizer. Talvez depois pedisse que você, por alguns segundos, ficasse sem se mexer: me olhando nos olhos. Depois me entregaria a você de bandeja: doada. Pra você fazer o que quisesse de mim: ora me partindo em pedaços, ora me vertendo nunca antes tão inteira. Mas, afinal, por que demorou tanto tempo pra eu estar tão toda num outro que não eu mesma?

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

A paixão e o precipício

Ahhhhhhhhhhhhhhhhhhhh! Na minha teoria, o ser humano (especialmente o do sexo feminino) nasce com um chip implantado que acende "Perigo, perigo!" toda vez que ele está na iminência de se apaixonar: um anjinho, na verdade, que sussurra regras lindas, sensatas, inteligentes, práticas e, o que é pior, fáceis ao ouvido do seu protegido. Faça isso, não faça aquilo, não ouça isso, delete aquilo, não pense nisso, evite aquilo outro, enfim. Um monte de dicas: dependendo da dificuldade da pessoa - e da sua intensidade - quase um livro, um Manual Prático de Sobrevivência. Absolutamente perfeito, pedindo para não ser seguido porque logo em seguida vem também o diabinho, do outro lado, grudando lascivamente na orelha do pobre coitado, num ato deliberado de covardia, dizendo: "Nada disso. Vai, se joga, se arremessa da ponte, se arrebenta sem dó nem piedade nas pedras... Pular no precipício é tudo de bom. Quando você está caindo, o vento na pele, a liberdade, a gravidade, a altura (quanto mais do alto, melhor): você vai ver, é tããããão gostoso. Vai até pensar que está voaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaando."
(E geralmente a história termina com o anjinho, desesperado, lá de cima do precipício, querendo gritar a frase proibida "EU AVISEI". Vida de anjinho é sofrida, viu? Mas ele não sabe que, ao mesmo tempo que o botão de "Perigo" acende, outras coisas acendem também. E com muito mais força.)

Samara Sieber

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

(...)
Esse assunto de morrer lhe foi recorrente por toda a vida. Respira. Deixa o ar inundar todas as suas células. Lembra-se da angústia que sentiu quando viu a morte pela primeira vez: era morte de bicho, talvez um começo mais sutil na sua carreira de perdas. Viu seu cachorro ser atropelado e chorou sem entender uma noite inteira. A mãe dizia para o pai: não se preocupe, amanhã ela esquece. Mas o pai sabia que nela as dores doíam diferentes. E se preocupava imensamente, mas não sabia nem como falar com a esposa sobre isso. E tentava sempre quando já lutava contra o sono se convencer de que a vida encarregar-se-ia de fazer o melhor por sua filha. Ele apostava na vida para embalar Beatriz no colo. Que essa fosse maior e mais forte do que todos os fracassos. Que essa fosse maior e mais forte do que todos os desamores. Que essa fosse maior e mais forte do que a morte. Ele temia por Beatriz. Mas tinha também esperança. Enquanto a mãe já havia descartado qualquer possibilidade de sofrimento em Beatriz pela morte do animal de estimação, a menina prendia o ar antes de dormir e ficava querendo saber como seria não ouvir mais nada. Ficava procurando em si sensações de morte. Não a dor de perder alguém. O encontro com morrer. Chegou a colocar algodões nos ouvidos e a vendar os olhos com um lenço preto da mãe. Depois ela rezava: não queria que o pai morresse, não queria que a mãe morresse, não queria que o irmão morresse. Aí no seu pai nosso que estais no céu entravam todas as pessoas que Beatriz amava mesmo sem saber exatamente o que era amor. Beatriz amava muito. Amava, amava, amava, amava.
É fácil, Beatriz. Agora é de vida que você vai se encher. Respira, respira, respira. E abra os olhos. Não vai doer. Não mais do que todas as outras coisas. Mas você precisa abrir os olhos, fazer alguma coisa. Quantas horas mais vai ficar morrida aí neste corpo?

(Samara Sieber)

Parida

Nasci em vão
dia desses
Não me fiz flores não
me fiz dores não
me exclamei
nem me perguntei
Dia desses
nasci à toa
sem sal
sem vida
sem poesia
sem luto
sem sol
Tem dias que é inútil nascer
não se aproveitam nem
as dores do parto.
Mas tem dias piores, eu me lembro:
foi quando eu nasci um feto
e estava morto de fato.

(Samara Sieber)

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Inteligência Emocional

Da próxima vez, você vai chegar e eu vou estar sem palavras: já não sei mais o que dizer disso que somos nós. Fiquei tentando desde a última vez que nos vimos não pensar e não sentir e arrumei lá dentro de mim uma gaveta pra você, mas não tirei suas fotos da geladeira. Mesmo assim, a parte mais profunda ficou lá na gaveta, que eu só abria para dar uma olhadinha de vez em quando.
Anyway, a intenção era levar a vida como se você não existisse: viver, de verdade, e não viver estando a sua espera o tempo todo. Aí fiquei me perguntando o que eu iria, de fato, deixar a vida fazer comigo pressupondo que você não faz parte dela no dia-a-dia. E também me perguntei se de fato iria deixá-la fazer alguma coisa, como se eu, e não ela, tivesse as rédeas do jogo. Comecei a tentar configurar minha vida sem a sua presença em todos os segundos, em todas as coisas, em todos os textos, em todas as vontades, em todas as músicas. Assim, de forma bem racional e serena: do jeito que eu quero ser quando crescer. Você existe, sim, fico muito feliz por ter: primeiro, encontrado você e segundo, descoberto você em mim. Mas, você está aí e eu estou aqui, e a vida continua: bela, dolce, rose. O jeito é conviver com a falta que você me faz de um jeito, de novo as palavras bonitinhas, racional e sereno: um jeito que não dôa. Inteligência emocional, Samara, ISSO que fez tanta falta a sua vida inteira. E eu, inteligentíssima emocionalmente, tranquei a sua gaveta à chave: para não ficar abrindo a toda hora que me sentisse ou isso ou aquilo e que venha a vida. Isso, menina, é assim que se faz: parabéns, assim você vai longeeeeeeeee. E como fui, menino. Você nem queira saber!
Minha decisão inteligente durou horas intermináveis, suficientes para me esvaziar quase que por inteiro. Por menos inteligente que isso seja, eu permiti que você fizesse trabalho de formiguinha em mim e preenchesse cada espaço: sentir sua presença me enche de desejo e de esperança. Quem teve as rédeas desde o início senão a vida e não eu? Não sei ficar sem você. Mesmo à distância. Adeus, inteligência emocional. Adeus, serenidade. Cá estou eu novamente: explodindo, em carne viva, desvairada, tsunâmica, emocional e… Burra.

(Samara)

E agora, Seu Dé?

Há treze anos morreu uma das pessoas mais importantes da minha vida. Talvez a mais importante: meu pai. No dia 8 de outubro de 1995, minha mãe gritou pela janela do sobrado: Não dá mais tempo. De lá pra cá esse dia sempre me marcou. Não poderia dizer que há treze anos perdi a pessoa mais importante da minha vida porque uma pessoa como ele não se perde: só se ganha, mesmo quando vai embora. De qualquer forma, quando eu tinha 13 anos (hoje estou fazendo contas! E isso é muito estranho pra mim, que prefiro sempre "fazer de conta" - risos) ganhei um Concurso de Poesias com uma poesia chamada Esquina da Lua. Preciso resgatá-la em algum lugar do passado, como tenho resgatado tantas outras coisas. O mais importante desse dia, fora a minha timidez ao subir no palco para receber o prêmio, foram as lágrimas do meu pai que, emocionado, tentava contê-las a todo custo sem muito sucesso. Ele era chorão, como eu. Mas eu aprendi a não conter lágrimas.
Não por acaso hoje começo a escrever meu blog. Que é uma homenagem a ele. Com todo o amor que há em mim e muitas saudades.
(...)
Mas lá estava ele, primeiro, único, univitelino, respirando sua boca, seu pescoço, seus seios, seus sonhos, seus medos, suas coxas semi-abertas, seu passado, seu presente e seu futuro. Ela fica sem saber se se entrega ao sono, a ele ou à morte. Aquilo era morrer? Ser respirada e não respirar? Ele respira seu nariz, respira sua respiração, sorve todos os seus líquidos sem dizer palavra, virando-a de costas e do avesso para inspirar todos os milímetros dela, abrindo delicadamente caminhos quando é preciso. Quase nunca é, uma vez que, para ele, ela abria-se inteira, despetalada: dormindo ou não, viva ou não. Ele sabe de cor cada segredo desse labirinto. E ela vinha de si em etapas, em ondas, em medos, à deriva jorrando-se toda na boca daquele homem que a salvava de ser só para ela. Ele sabia também, e isso era segredo dela, todos os acordes desse abismo. A paixão é sempre uma covardia.
Beatriz amanhece com os pulsos atados à cabeceira da cama. Queria tantooooo desatar aqueles laços, queria tanto livrar-se daquela onipresença insistente em todos os seus domínios, queria tanto apagar todos os rastros daquilo tudo tão tanto em si mesma, mas não conseguia. Simples assim. Não conseguia. Conseguiria um dia? Beatriz possuída. Esses nós a prendiam toda noite à cabeceira da cama – não importa com quem ela houvesse se deitado e mesmo que ela não houvesse se deitado com ninguém – e era ele, sempre ele, exclusivamente ele, inacreditavelmente ele – quem apertava os nós.

(Samara Sieber)