quarta-feira, 8 de outubro de 2008

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Mas lá estava ele, primeiro, único, univitelino, respirando sua boca, seu pescoço, seus seios, seus sonhos, seus medos, suas coxas semi-abertas, seu passado, seu presente e seu futuro. Ela fica sem saber se se entrega ao sono, a ele ou à morte. Aquilo era morrer? Ser respirada e não respirar? Ele respira seu nariz, respira sua respiração, sorve todos os seus líquidos sem dizer palavra, virando-a de costas e do avesso para inspirar todos os milímetros dela, abrindo delicadamente caminhos quando é preciso. Quase nunca é, uma vez que, para ele, ela abria-se inteira, despetalada: dormindo ou não, viva ou não. Ele sabe de cor cada segredo desse labirinto. E ela vinha de si em etapas, em ondas, em medos, à deriva jorrando-se toda na boca daquele homem que a salvava de ser só para ela. Ele sabia também, e isso era segredo dela, todos os acordes desse abismo. A paixão é sempre uma covardia.
Beatriz amanhece com os pulsos atados à cabeceira da cama. Queria tantooooo desatar aqueles laços, queria tanto livrar-se daquela onipresença insistente em todos os seus domínios, queria tanto apagar todos os rastros daquilo tudo tão tanto em si mesma, mas não conseguia. Simples assim. Não conseguia. Conseguiria um dia? Beatriz possuída. Esses nós a prendiam toda noite à cabeceira da cama – não importa com quem ela houvesse se deitado e mesmo que ela não houvesse se deitado com ninguém – e era ele, sempre ele, exclusivamente ele, inacreditavelmente ele – quem apertava os nós.

(Samara Sieber)

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