quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Incorporada

Ah, Gabriel, mas então agora acho que vou evitar falar com você. Não falar parece que mantém a coisa num nível mais platônico: afasta-se um pouco (muito pouco, mas já é uma ajuda) da fogueira. (E eu já me queimei tantoooo nessa fogueira: o fogo vem dos corpos tomados ou das entranhas?) Ouvir a voz já é mais difícil: querer estar junto e não poder, querer estar em cima e não poder, querer estar embaixo e não poder, querer estar dentro e não poder, querer estar do avesso e não poder, querer estar nas veias e não poder, querer estar misturado e não poder. Ainda mais numa tarde tão convidativa, um pouco de sol entrando pelas frestas da janela e você entrando pelas frestas de mim. Daí fico pensando: como seria? Como seria?
Acho que seria assim – um pouco como eu estou hoje: um possuir e pertencer emocionado, denso, dolorido e profundo. No começo iria pedir lentidão e intensidade (isso é possível?) para poder guardar para sempre cada milímetro de nós dois em comum: cada textura, cada tremor, cada respiração, cada palavra dita sem dizer. Talvez depois pedisse que você, por alguns segundos, ficasse sem se mexer: me olhando nos olhos. Depois me entregaria a você de bandeja: doada. Pra você fazer o que quisesse de mim: ora me partindo em pedaços, ora me vertendo nunca antes tão inteira. Mas, afinal, por que demorou tanto tempo pra eu estar tão toda num outro que não eu mesma?

Um comentário:

FÁBIO SANTOS disse...

Eu não sei se a mulher que se entrega desse jeito está realmente se entregando ao outro ou à sua própria vaidade. Pode ser um juízo enganoso, mas que essa mulher tenta não é se descobrir, não é descobrir esse Gabriel que possui o que ela não é nem tem - o que ela quer é descobrir até que ponto se pressiona a faca no pescoço antes de sangrar...